Friday, December 29, 2006

Lembrar


Enquanto a espuma engole as pegadas deixadas, vencida pelo cansaço atiro-me para a areia para recuperar o fôlego que a corrida me roubou. Sinto os músculos a pulsar, e o meu peito num vai vem. Deixo-me embalar pelo som da rebentação, e afagar pelos raios mornos que me vão aquecendo a alma por entre o cheiro e a brisa do mar.
Depois deste momento de mansidão, sento-me a olhar o infinito, onde o azul do céu se funde com o do oceano e onde a minha imaginação costuma pairar. Deixo-me ficar por mais tempo naquela contemplação, meia acordada meia adormecida ...
Lá ao fundo, na outra ponta da praia, vejo semblantes a galgar as ondas montados em tábuas que planam sobre a água. Uns enfrentam a crista quando ela começa e enrolar, outros encaram o envolver já à beira-mar. Mais próximo de mim há um grupo que canta e dança, e no centro da roda que formam dois deles envolvem-se num rodopio de golpes e floreios sem se tocarem. Ainda mais perto, 3 crianças jogam à bola, sem medo das quedas e das rasteiras que vão passando uns aos outros. E assim o tempo passa, para eles e para mim. Olho de novo cada cenário, e neles me revejo. Dou forma a um sorriso, que surge com as imagens formadas pela recordação de momentos onde fomos crianças com a idade de um adulto. E assim, lembro o que me fez sentir feliz por realizar um sonho ou permitir que alguém o realizasse.

1 comment:

Tiago said...

Bom, já nem te vou pedir desculpa... Esta à vontade para me rogar as mais variadas pragas e insultos múltiplos, em torno do tema "este espaço é só meu"...

Gosto de textos que me fazem sorrir do inicio ao fim, como o Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro...

Basta-me ler "O meu olhar é nítido como um girassol (...)", o sorriso dura até o fim do poema... Juro que um dia vou perceber porquê...

O teu texto fez me sorrir talvez mais sentidamente ainda porque senti exactamente o mesmo hoje.

Depois de uma época de exames certamente comparável ao primeiro ou segundo circulo do inferno de Dante, tive o prazer de, hoje e ontem, ter dois dias óptimos no mar. Raras vezes o vento, o sol, a maré e os amigos se combinam tão bem... Nada me da mais prazer do que encher um carro de amigos, pranchas, linhas, cabos, e asas de kite, e passar um dia a tentar ser pássaro.

Já ao fim do dia, depois de arrumar tudo, estava sozinho numa praia "secreta", perto de Setúbal, e creio que senti um pouco daquilo que escreveste...

Dias raros.

Um abraço, Tiago