Monday, December 25, 2006

Origens



Já vai alta a noite com um quarto de lua.
Pela primeira vez, decidi passar a noite da passagem de ano só, comigo mesma e mais ninguém.
Estou sentada no alpendre da minha casa, no primeiro degrau do escadório e encostada ao pilar de carvalho desgastado pelo tempo. Numa das mãos seguro uma taça de Asti de 1970, enquanto na outra uma cigarrilha de café que uma das minhas primas me trouxe de qualquer sitio para lá do Atlântico.
Olho para o infinito, e procuro no breu da noite uma silhueta de alguém inesperado, que me surja por entre os salgueiros velhos plantados junto à cerca. Consigo ouvir o tresmalhar das suas folhas, assim como o piar de um mocho Galego que me acompanha desde as noites ainda mornas do Outono. E quando o vento muda, chega-me aos ouvidos o sonido da corrente do riacho que delimita o lado Oeste do padoc.
Uma ligeira brisa faz balançar a cadeira de baloiço, e é ai que me lembro o quanto mais confortável ela é, que aquele tronco velho que me arranha as costas. Sento-me nela.
Dou o meu último trago, e puxo bem por aquela cigarrilha…
“Feliz Ano”, suspiro eu, “espero que seja bem melhor do que este que me deixou!"
Não tenho memória de nada assim, tão mau e indesejável, como várias situações que me ocorreram nos últimos 366 dias!
Falhei, pessoal e profissionalmente. E a minha vida social também já teve melhores momentos. Os feitos realizados ficaram muito aquém das expectativas criadas. E os poucos mas bem conseguidos, duraram por pouco tempo.
Algumas vezes soube onde errei, e admiti-o sem hesitar. Outras, não consegui ver onde estava o mal, assim como até hoje não o encontrei.
Perdi quem me era mais querido e insubstituível, deixei quem amei e desprezei quem um dia me amou. Não fiz um esforço para ser ouvinte quando me pediram, e não falei quando realmente devia ter falado… fiquei triste, arrependida, e até mesmo frustrada…
Sinto-me ainda fraca por não controlar a impotência que me atinge inexplicavelmente, e me impede de ser aquela pessoa de que me lembro mais, e que um dia fui… sim, que muitos dias fui.
Fiquei sozinha nesta noite para tentar perceber de uma vez por todas a origem, a razão, ou talvez as raízes deste jeito de estar na vida, que tanto me agonia.
Voltei aqui, a este sítio que me viu crescer, e ser aquela que eu busco reencontrar, para reabastecer-me com esta veemência pura e serena que eu sinto toda a vez que cá volto. Mas custou… nos primeiros dias nem a integridade deste ar que me chegava ao âmago me valeu! Era como o mal se tivesse espalhado e depois, sentindo o fim dos seus dias, vincou-se mais que nunca nos actos e reminiscências de todos os ontens. Isolei-me por completo. Fiquei sem saber dos entes queridos e amigos, não desejei Bom Ano a ninguém… passou-me a loucura de um egoísmo estúpido pela cabeça, mas acordei desse transe a tempo! A tempo de estar agora aqui, de taça de Asti na mão e cigarrilha na outra, e com a esperança de que o ar que o Ano Novo traz me limpe das maleitas que afogaram muitas das minhas horas vividas…no ano que findou.
Pode ser que ainda vá a tempo, e desejar um Bom Ano a quem não desejei…
Brigite
Tirado de "um sitio".

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